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14/07/2014

O JANTAR DAS FORMIGAS

O JANTAR DAS FORMIGAS

As formigas carregavam
O jantar ao formigueiro
Mas algumas que ali estavam
Entre si não se acertavam
Do caminho mais certeiro

Quando um grupo sugeria
Que o buraco era seguro
Outro grupo decidia
Que o trajeto bom seria
Contornarem pelo muro

Um caminho era apertado
E por isso não cabia
Era o outro demorado
Tão incerto e descuidado
Que também não serviria

Mas seguiam carregando
Sem haver conformação
Só que o tempo foi passando
E as formigas se cansando
De tamanha indecisão

Para a grande maioria
No buraco ou pelo muro
Qualquer um bem lhe servia
Pois errado só seria
Retornarem quando escuro

Mas do jeito que ficavam
Era tanta confusão
Que as formigas se cansavam
E já não mais aguentavam
Tal o peso que ia a mão

Ao final sem haver rima
O jantar caiu no chão...
Uma aranha se aproxima,
Dá um salto bem em cima
E lhes toma a refeição

Não faz mal pois escutar
Um ditado primitivo:
“O querer particular
Nunca deve suplantar
O interesse coletivo”



VASO DE PORCELANA E OS BLOCOS DE CIMENTO

VASO DE PORCELANA E OS BLOCOS DE CIMENTO

“Quem lhes vê já não se engana
E nem dá merecimento”
Diz aos blocos de cimento
Uma fina porcelana

“Eu porém sou da nobreza
Meus contornos pois não negam
Tantos são os que me pegam
E me estimam com certeza” (...)

Vem um vento da janela
Vai soprando ao rumo dela
Que arrebenta-se no chão

Cai o tolo no caminho
Quando nega que o vizinho

Lhe garante proteção

O PARAÍSO DAS OVELHAS

O PARAÍSO DAS OVELHAS

As ovelhas antes tinham
Do horizonte propriedade
E pastando onde queriam
Todas elas bem viviam
Numa intensa liberdade

Porém todo paraíso
Um inferno sempre tem
E dizer nem é preciso
Que a existência do sorriso
Pressupõe choro também

O malogro era geral
E a tragédia sem tamanho
Veio um lobo no local
Perigoso e desleal
Abater todo rebanho

Duro imposto que cobrava
Só pagavam com a vida
Uma ovelha ele pegava
E depois dilacerava
Sem dar chance de saída

E as ovelhas se ajuntaram
A buscar por algum plano
Pouco tempo precisaram
Quando todas concordaram
Pois se unir ao ser humano

Isso ao lobo foi fatal
Ele nunca mais voltou
Extirparam todo o mal
Ao fazerem um curral
E o problema terminou

Quando os homens às prenderam
Foi-se o lobo, é bem verdade
Porém quando perceberam
As ovelhas que perderam
E não só a liberdade

Pois em tal situação
O castigo fora eterno
Eis as coisas como vão:
São tosadas ao verão
Ou assadas ao inverno

Repetir nem é preciso
Que o inferno junto vem
Ao criar um paraíso
Pois é todo e qualquer riso

Que supõe choro também

Odisseia da figueira branca

Odisseia da figueira branca

O vento que é forte, puxa que arranca
A galha mais frágil duma figueira
Prá lá e prá cá, por mais que ela queira
Não tem mais abrigo, oh figueira branca

E assim ela vai, sem eira nem beira
De um lado pro outro sem se agarrar
Quando, por sorte, vem a goiabeira
Com pena da amiga para ajudar

Estende uma mão, segura no braço
E por gratidão recebe um abraço
Que aperta e sufoca até lhe matar

Nos rumos incertos que a história acaba
Foi bom para alguns, mas não prá goiaba
Que deu à figueira o próprio lugar

O mesmo destino põe em perigo

O tolo que pensa só ter amigo.

26/05/2014

A DEMOCRACIA DOS PARDAIS

A DEMOCRACIA DOS PARDAIS

Houve um tempo em que os pardais
Tal regime possuíam
Nos assuntos mais gerais
Debatiam como iguais
Dessa forma se entendiam

Era assim que procediam
Conduzindo a sociedade
Que de tudo quanto tinham
Entre todos dividiam
Na justiça da igualdade

E atingiram tal grandeza
Que nem um nem outro mal
Nem aquele da pobreza
Nem tampouco o da riqueza
Afligia um só pardal

Porém, todos já sabiam
De um problema entre os pardais
Nos debates que seguiam
Alguns não reconheciam
Que deviam ser iguais

Quase sempre reclamavam
De tão longas discussões
E os debates se acirravam
Muitas vozes já clamavam
Por haver transformações

Quando enfim se convenceram
De que haviam de mudar
Entre todos escolheram
E por voto elegeram
Alguns para governar

“Todos fiquem descansados”
Um eleito foi falar
“Que os esforços conjugados
Serão bem remunerados
Nada assim lhes vai faltar

“E os debates demorados
Não serão mais como agora
Pois que fiquem liberados
Sintam-se representados
Estão livres da demora

“Tanto tempo há de sobrar
Que terão o dia inteiro
Assim podem trabalhar
Deem o tempo e vamos dar
Tudo em troca de dinheiro

“Porque em nossa sociedade
Tudo pode ser comprado
Pois terão mais liberdade
E o direito à propriedade
Lhes será sempre sagrado”

Tal discurso aplaudido
Em enorme euforia
Foi por todos repetido
Que ficou bem resumido
E virou “Democracia!”

Quando um rico percebia
Vendo o povo descontente
Novamente repetia
“Lembrem que a democracia
É melhor pra toda gente”

Longos anos se passavam
E os pardais assim seguiam
Muitos tanto trabalhavam
Para os poucos que mandavam
E bem muito enriqueciam

Poucos tinham a riqueza
Em enorme quantidade
O restante, com certeza
Se igualava na pobreza
E no ódio da igualdade

Hoje vivem os pardais
Com esmola e quase nada
Porque assim trabalham mais
Dão volume aos capitais
Na miséria avolumada

Pois a nossa sociedade
Dessa não diferencia
E o ditado é bem verdade
“Sem a busca da igualdade
Não se tem democracia”

O CRIME DA RAPOSA

O CRIME DA RAPOSA

A raposa só de andar
Já se vê denunciada
“Pois roubou ou vai roubar”
Põem-se todos a gritar
“Peguem essa desgraçada!”

“Ela mesma quem levou
Essa escova do leão”
O macaco assim bradou
E o lagarto piorou
O teor da acusação

“Foi lá pelo mês passado
Que tal crime ocorreu
Pois eu tinha reparado
Que depois de consumado
A raposa se escondeu”

“Mas está mesmo enganado”
A raposa quis falar
“Como posso ter roubado
Se por todo mês passado
Eu me pus a viajar?”

“E a quem tinha visitado”
Indagou o elefante
“Um tio meu lá do cerrado
A cem léguas desse estado”
Respondeu bem confiante

“Pois roubou para fugir
Com o pelo penteado
Não precisa mais mentir
Pois daqui só vai sair
Num caixão mui bem lacrado”

Foi assim que o julgamento
Se encerrou numa sessão
Todos em consentimento
Deram nesse ajuntamento
A seguinte decisão

Morte para condenada!”
Foi então o veredito
E de chute e de paulada
Que a raposa vitimada
Morreu como fora dito

Tal escova, pois, no fim
Deu em outra discussão
Resolveram tudo, enfim,
Que fariam bem assim
Devolvê-la ao rei leão

E ele não quis receber
Pois a sua era mais nova
Mas, contudo, foi dizer:
“Condenado tem que ser
Quem condena sem ter prova!”

O OVO E A PEDRA

O OVO E A PEDRA


E vai lá um outro ovo
A bater na dura pedra
Mesmo frágil nunca medra
Quando um quebra... vai de novo! 

E vai outro e outro ainda
Toma fôlego e avança
Pois lutar é esperança
Na miséria que não finda

Numa época futura
Terá fim a ditadura
E o poder será do povo

Pois até pedra mais dura
Tanto bate até que fura
E vai lá um outro ovo...




A ABELHA E O SAPO

A ABELHA E O SAPO

Uma abelha distraída
Pelas flores foi voar
Dando volta até parar
Bem num brejo sem saída

Vendo a noite lhe chegar
Já cansada e mais perdida
Foi-se enfim já resolvida
Para um sapo perguntar

“Mil perdões por lhe enfadar
Eu lhe rogo por mostrar
Onde fica a direção”

Mas o sapo por julgar
Uma mosca a lhe chegar
Solta a língua no ferrão

O que julga na aparência
Tem a mesma experiência

11/01/2014

A SEMENTE DA LARANJA

A SEMENTE DA LARANJA

A semente da laranja
Ao rodar sem direção
Foi aos pés da laranjeira
Disse: “Amiga, companheira
Dê-me um pouco de atenção…

“Sem um pai ninguém se arranja,
Nem por sorte ou oração.
Quando o mundo é só sujeira,
Vai seguindo a vida inteira
A rodar sem direção.

“Mas o vento por acaso
Pôs-me enfim em boa mão…
O que venho ter contigo,
É pois só pedir abrigo
Que me dê sustentação”.

Mas a mãe fez pouco caso
“Tu és filho do limão!
E ele não é meu amigo
Não terás nada comigo
Não te vem que aqui tem não!”

É discurso recorrente
Com pessoas igualmente
Laranjeiras infelizes
Que se esquecem das raízes

E renegam sua gente

FÁBULA BACHIANA PARA O GAROTO ALEIJADO

FÁBULA BACHIANA PARA O GAROTO ALEIJADO
                           
Ia, pois, acabrunhado
Um garoto a caminhar
Era tal o seu estado:
“Numa vez manca de lado,
Noutra vai a tropeçar”.

Quase feito quem atua
Atraia todo olhar.
Pois assim subia a rua,
Só porque uma perna sua
Não parava de mancar

É joelho machucado!
Dois ou três anunciavam.
O sapato está apertado!”,
Um dizia doutro lado
E os palpites se lançavam…

Estou certo que é torção!”
Nada! É calo no dedão
Um espinho causador”…
Vem um outro que é doutor
E põe fim na discussão.

Ninguém quis nem questionar
Os dizeres do perito:
fácil cura que vou dar
Tire a perna e volta andar”,
Foi então seu veredito

Pois assim se fez de fato
O doutor que não se importa
Pega a faca, depois corta
Toda a perna num só ato
Pela pedra no sapato.

Muitas vezes de doutores
Só se pintam dessas cores



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