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31/07/2012

O PORCO E A GALINHA

O Porco e a Galinha
 
“Foi bem triste sorte a que tu tiveste”
Diz um jovem porco a velha galinha
“Poderias viver feito rainha,
Mas nosso dono em ti bem pouco investe”

“Quanto a mim”, o porco continuava,
“Se um só dia a comida me faltava,
Nunca aceitaria a tal condição
De ciscar as migalhas pelo chão”
 
 “É bem por isso”, depois concluía,
“Que vivo na fartura todo o dia
E tu, além de ciscar as migalhas,
Ovos para o dono! É com que trabalhas!”
A dona galinha a tudo escutava
E consigo mesma ela assim falava:
“Um porco é sempre igual, se bem me lembro
Arrogante em março e assado em dezembro”.

Igualmente vai quem é corrompido
Pois esse ditado é bem conhecido:
Os porcos, quando engordam, é sinal
De que haverá fartura no Natal.

29/07/2012

O Navio e o Barco


O NAVIO E BARCO

(Às populações tradicionais que ainda 
resistem ao avanço do Capitalismo)
  
“Sai da frente, companheiro
Sai, porque vou atracar”
Disse o navio estrangeiro
Para o pequeno pesqueiro
Que parou bem no lugar
 “Mas cheguei aqui primeiro
Inda estou a carregar”
Disse o barco ao forasteiro
Mas o navio graneleiro
Mesmo assim não quis parar

“O que o leva de importante
Para vir me atrapalhar?
Pois agora neste instante
Eu espero tal montante
Que não posso lhe esperar”
“Tralhas para pescaria
Isca, linha, rede, anzol
Nunca tive mordomia
É o que levo todo dia
Faça chuva ou faça sol”
“Se você vai todo dia
Um que seja não faz falta
Ninguém mesmo notaria
Diferença nem faria
Noutro dia você volta”

“Diferença há de fazer
Aos filhos do pescador
Que precisam de comer
E a rotina tem que ser
Todo dia sim senhor”

E o debate se alongava
Sem ninguém se entender
Mas o navio avançava
E bem perto já chegava
Quase a ponto de bater

“Ao progresso vou avante!”
O navio assim bradou
E seguiu mesmo adiante
Que o pesqueiro num instante
Foi quebrando e se afundou
 Depois disso o pescador
Disse: “Deus fez a vontade”.
E foi como um pecador
A sofrer a sua dor
Com a cruz lá na cidade

Isso é fato corriqueiro
Que os pequenos fiquem mal
Como a sina do cordeiro
Foi o lobo do pesqueiro
O poder do capital

A Onça Espetada Pela Flecha


A ONÇA ESPETADA PELA FLECHA


À agulha do Machado
 
Eis que grande invenção", diz a flecha
A caçoar da onça agonizante
E segue aos elogios, a arrogante
Empinando as penas de sua mecha

"Oh, pobre ser, de espírito tão parco"
Torna a onça com ar de sossegada
"Diz que é rainha, mas é só criada
Pois o seu senhor sempre fora o arco"

" O arco obedece ao que o dono manda
Um rei de verdade é quem livre anda!"
Brada a flecha com ares superiores

Eis o bom soldado, ele nunca falha
Vai como um rei ao campo de batalha 
Assim faz a vontade dos senhores.

14/07/2012

A MACULINEA ALCON E O FORMIGUEIRO


A MACULINEA ALCON 
E O FORMIGUEIRO

Mas que estranha criatura
Que na areia se arrastava
Ia, vinha… voltas dava
Como quem parte à procura
De algo que não encontrava
 
Por custoso movimento
Qualquer um se apercebia
Que trabalho não faria
Para ter seu provimento
Ela não se afligiria
 
Procurava a criadagem
Alguém que se dispusesse
A dar tudo o que quisesse
Para assim tirar vantagem
Daquilo que lhe fizesse
 
Porém quando aproximava
De algum bicho que seguia
Ao falar do que queria
Não havia quem ficava
A lhe fazer companhia

Eis que viu no formigueiro
A possível mão amiga
Que estava em cada formiga
A dar colo verdadeiro
E forrar sua barriga
 
Mas ainda precisava
De algum jeito disfarçar
E as formigas enganar
Da melhor forma que dava
Pois seu plano a funcionar

Foi assim se misturar
Com as larvas de formiga
Fez-se então de boa amiga
Para assim poder passar
Sem querer causar intriga
 
Fez-se filha de criada
Modelou seu corpo inteiro
Copiou a cor e o cheiro
Quando ao fim foi carregada
Lá dentro do formigueiro
 
E encontrou boa acolhida
Tinha tudo o que queria
Mesa farta todo dia
Era enfim tanta comida
Que seu corpo só crescia

Foram bem muitas manhãs
E ela ainda se alongava
Cinco vezes já passava
Bem maior do que as irmãs
Mas ninguém desconfiava

Pois lhe tinham como cria
Por isso lhe alimentavam
Das demais filhas tiravam
Quase tudo ela comia
E outras fome até passavam
 
E foi tanto que engordou
Que ali já nem mais cabia
Decidiu partir um dia
Pois da forma que chegou
Ela também sairia

A procura de um empregado
E outro nobre acolhimento
Pois aquele no momento
Quente, escuro e apertado
Não lhe dava mais sustento

Assim ela foi se embora
Sem querer se despedir
Se arrastando foi sair
Quando enfim chegou lá fora
Outro ser se viu surgir

Pois da estranha criatura
Não ficou nem silhueta
Mudou mesmo de figura
Transformada em dada altura
Numa enorme borboleta
 
E ficou mesmo tão linda
Asas, patas, corpo inteiro
Do azul mais verdadeiro
De tão grande foi ainda
O jantar do formigueiro
 
Se foi bom ou mau disfarce
Não se sabe nem ao certo
Mas se olhar mesmo de perto
Só falamos em disfarce
Quando algum é descoberto

16/06/2012

DIVINA PROVIDÊNCIA


Divina Providência
Ia um touro velho
De tempo bem contado
Se arrastando... Aos trancos!
Já quase que finado

E um bando de urubus
Que andava esfomeado
Seguia bem perto
Do almoço requintado
Também ia a morte
Em tão boa companhia
E o boi nem ligava
De olhos fechados ia
Só tinha certeza
Que logo morreria
Por isso dava adeus
Mas mugir não mugia

E o bando de urubus
Que ali se reunia
Chamava algum garçom
Mas ninguém respondia
É que a dona Morte
Por zelo ou por capricho
Guardou sua foice
E não quis montar no bicho

Mas ninguém do bando
Sentiu-se incomodado
Do boi reservava
Cada qual seu bocado

Que doesse a fome
Ninguém se preocupava
Pois sabiam que o boi
Dali não escapava

Como quem pede ao céu,
Porque nega a Ciência
Pareciam clamar
A Deus por providência
 
Do céu veio a chuva
E tão forte que ela foi
Levou quase tudo
E ceifou também o boi
Porém todo bando
Sem pressa de comer
Abriu suas asas,
Mas sem nada fazer
Um jovem tucano
Que a tudo assistia
Olhava os urubus
Não se aguentava e ria
Seres inferiores”,
Dizia-se o bicudo,
“Em tudo olham Deus
E enxergam Deus em tudo

Não veem que a chuva
Foi coisa tão normal
Molhou-nos a todos
O que é algo natural”

Contudo, mesmo assim,
Ninguém se incomodava
Mesmo a céu aberto
O bando todo esperava


De asas estendidas
Como quem agradece
Depois dá glória a Deus
A tudo que acontece
Porém, o tucano
Entendia a natureza
Sabia, não foi Deus,
Quem fez a gentileza

Por isso decidiu
Pregar uma lição:
Tirar dos urubus
Aquela refeição

Lá se foi na frente
E nem mal tocou no prato
Veio um fazendeiro
E lhe encarcerou de fato
O bando de urubus
Ao final da confusão
Secou bem as asas
E fez a refeição

Toda a gente de fé
Vai tão irracional
Supõe ver sempre deus
No mundo natural

Mas há também ateus,
Piores que isso até
Por todos têm fies
Supondo em todos fé

Vão como o tucano
Sem se secar primeiro
Morrem na gaiola,
Vivendo prisioneiro

O bando de urubus
 Deixou-nos a lição:
Secam se as penas
Antes da refeição!


O LÁPIS VELHO E A CANETA TINTEIRA


O LÁPIS VELHO E A CANETA TINTEIRA
Foi um lápis corroído
Por azar cair ao lado
De uma caneta tinteira
Das mais caras do mercado
E assim brada a presunçosa
Para amiga caderneta
“Esse ao certo desconhece
Qualquer coisa de etiqueta”

O lápis sem se dar conta
Em sinal de cortesia
Inda vira-se de lado
E vai desejar bom-dia

Mas nem mal ele abre a boca
E a caneta vai e cala
“A visão já causa afronta
E essa coisa ainda fala?”
Mesmo sem compreender
O que estavam a falar
Inda assim o velho lápis
Procurou se desculpar

E a caneta, irredutível,
Nem quis lhe dar atenção
“Porque mão que nos segura
Nunca foi a mesma mão 
“O que fala não se escreve
E o que escreve, é certo, apaga
Pois não passa de rascunho
Não se vende… ninguém paga!

“Quanto a mim, sou diferente
Minha tinta é tão durável
Pois enquanto os homens passam
Eu permaneço intocável

“Sigo junta do progresso
E simbolizo a vitória
Se eu ainda inexistisse
Nem existiria História”

Antes que a jovem tinteira
Terminasse o que dizia
A trocaram pela máquina
Para datilografia
O lápis consegue apenas
Dar adeus para caneta
Que hoje jaz bem esquecida
Lá no fundo da gaveta

Rã que um dia vira príncipe
No outro torna a virar rã
E jovens que humilham velhos
Serão velhos amanhã


18/05/2012

A SERINGUEIRA E A CIGARRA


A SERINGUEIRA E A CIGARRA

Uma jovem seringueira
Vinda a pouco da semente
Lutava com toda força
Para nascer novamente
 
Plantas nascem duas vezes
Inda assim com muita guerra
Uma ao brotar da semente
Outra quando sai da terra

E lá ia a nossa amiga
Apertava-se e espremia
Pois o solo pedregoso
Só com luta se vencia

Era pedra sobre pedra
Que parava e recuava
Invertia o seu caminho
Muito pouco ela avançava

E no meio da jornada
Nossa amiga avistou
Uma larva de cigarra
Foi assim que lhe falou

“Como vais, ó companheira!
O que aí fazes parada?
Se quiseres dou-te força
Vamos juntas nessa estrada”
“Obrigada, minha amiga
Mas porque tamanha pressa?
Não se acaba o mundo hoje
Pois fiquemos juntas nessa”

“Mas o mundo não espera
Temos sim que trabalhar
O segredo dessa vida
É pois sempre batalhar”

“Pois que seja, companheira
Eu ainda vou ficar
Mas, lhe digo, um dia subo
Pela fenda que deixar”

Depois de se despedirem
Foi se embora a seringueira
Certa da sua verdade
E da luta corriqueira

Mas colheu sim do bom fruto
Pois da terra ela brotou
Inda foi crescendo forte
Bem assim continuou
De estação em estação
Seu caminho e sua marcha
Dando aos bichos um abrigo
Para os homens a borracha
 
Muitos anos se passaram
Até que um dia avistou
Algo sair do buraco
Que ela mesma ali deixou
 
“Como estás, dona cigarra?
Eu nem posso acreditar
O que tu fazes da vida?
E onde estás a trabalhar?”
 
“Ó, senhora seringueira
Como havia lhe falado
Eu saí pelo buraco
Que você tinha deixado

“Pois assim que levo a vida
A folgar da noite ao dia
Não me prendo com trabalho
Vivo sempre em cantoria

“Mas me conte, minha amiga
Como você tem passado?
Pois lhe vejo com saúde
Deve estar em bom estado”
 
“Tenho sim muita firmeza
Muitos de mim necessitam
Uns precisam do meu sangue
Outros no meu corpo habitam

“E plantada como estou
Sem poder nem mesmo andar
Faço muito pelo mundo
E sem nunca reclamar

“Ao contrário vejo tu
A sorrir sem fazer nada
Fico muito entristecida
E me sinto desonrada”
 
"Mas que vida desgraçada
Que a senhora veio a ter
Pois sustenta todo mundo
E nem pode se mover

"Pois eu tive melhor sorte
Vivo a vida a folgar
Pouso mesmo nos teus galhos
E feliz vou a cantar"

Quando finda a canção
A cigarra voa e sai
Canta em um galho e no outro
Se despede e logo vai

E tem mesmo muita gente
Que bem vive alienada
E trabalha para muitos
Para que não façam nada!

Outras são como a cigarra
Que na vida tanto ostentam
Desdenhando até daqueles
Que tal luxo lhes sustentam






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